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maio 05 2014

Manifestações de Junho de 2013 no Brasil – Hannah Arendt, Michel Foucault e Giorgio Agamben

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Apresentação

O presente Ensaio tem por objetivo fazer uma análise crítica do que foram as manifestações de junho de 2013 no Brasil. Colocando em primeiro plano de análise suas personagens, contexto histórico e os resultados dessas ações, usando como instrumento para tal exame alguns conceitos da filósofa Hannah Arendt e dos dois filósofos Michel Foucault e Giorgio Agamben.

 

As Manifestações de Junho de 2013

 

A onda de manifestações ocorridas em junho de 2013, no Brasil, foi tema para grandes discussões, em razão de sua imprevisibilidade e as grandes consequências que repercutiram dentro desse cenário.       Um cenário composto de diversos protagonistas, cabendo nesse relatório uma análise dos principais.

Nesse grande palco, cuja plateia era o mundo, um dos principais protagonista, ou melhor, uma das grandes vilãs nas Manifestações foi a Polícia Militar. Sua ação violenta no início das chamadas Jornadas de Junho foi fundamental para que crescesse o número de adeptos às manifestações, iniciadas com um grupo pequeno de manifestantes do Movimento Passe Livre. A população, majoritariamente jovens, indignada com tal ação e de acordo com a causa de redução dos R$ 0,20[1], juntamente com a mobilização via internet, foram às ruas. Foi onde surgiu a explosão de manifestos em todo o país. Mas por que a polícia foi uma das grandes vilãs dos manifestantes? O problema não era o aumento do preço das passagens de ônibus?

            Uma ação imprevisível não é tão fácil responder ou reagir, principalmente quando não é apenas ação de uma pessoa da periferia, preta, que se resolve com bala ou cadeia, e sim de um grupo de todas as raças de diferentes classes sociais nos centros e periferias de São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória, Belo Horizonte, Manaus, Fortaleza, Natal, Salvador, Recife e das demais cidades. Ao todo 438 cidades do país aderiram aos protestos.[2] Essa ação política no Brasil foi de grande surpresa a todos, principalmente aos governantes. Nas palavras de Hannah Arendt: “O novo sempre acontece em oposição à esmagadora possibilidade das leis estatísticas e à sua probabilidade que, para todos os fins práticos e cotidianos, equivale à certeza; assim, o novo sempre aparece na forma de um milagre”.[3] Pois foi o ocorrido, as passagens sempre aumentavam, anualmente, mas sempre aquele mesmo grupinho “modesto” estava nas ruas reivindicando e quase sempre resultava em nada. Mas “o gigante acordou”, os brasileiros em massa foram às ruas. As causas? Muitos dizem que foi uma consequência da ineficiência do atual sistema econômico capitalista que reproduz uma democracia mal ajustada, em uma questão de grande desigualdade social. Não desconsiderando esses argumentos, mas indo mais além, foram sim, as insatisfações que fizeram as pessoas se mobilizarem, mas tiveram fatores essenciais como, por exemplo, a internet e suas redes sociais virtuais que possibilitaram as pessoas maneiras de se organizarem a partir de propagação de ideias juntamente com grandes discussões no que concerne a política. E posteriormente foi esse mesmo veículo que possibilitou a divulgação de imagens e relatos do que havia acontecido nas manifestações iniciais do MPL, com grande truculência por parte da representação do Estado, a Polícia Militar, as manifestações aderiram a um grande número de adeptos.

Mas, e depois? O número de manifestantes aumentava a cada dia de ato ocorrido, consequentemente os números de discursos também aumentavam.  Hannah Arendt diz:

“O fato de o homem ser capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável. E isso, mais uma vez, só é possível porque cada homem é único, de sorte que, a cada nascimento, vem ao mundo algo singularmente novo. Desse alguém que é único pode-se dizer verdadeiramente que antes dele não havia ninguém. Se a ação como início, corresponde ao fato da distinção e é a efetivação da condição humana da pluralidade, isto é, do viver como um ser distinto e único entre iguais”.

                A pluralidade humana se apresentou com tanta clareza, que ficou complexa. Complexa para o Estado e para a elite e seus instrumentos manipuladores de massas, como as grandes mídias televisivas. Com tamanha diversidade de discursos e ações, por parte dos manifestantes, surgiu o inesperado para um tipo de sociedade que quer massificar e modelar o indivíduo. Os manifestantes não possuíam um padrão como o desejado. Tinham o mesmo princípio de reivindicação, o preço da passagem, mas perceberam que tinham poder, “[…]o poder passa a existir entre os homens quando eles agem juntos[…]”[4], e utilizaram dele para demonstrar suas insatisfações, a partir de então surgiram diferentes discursos, consequentemente diferentes ações. Para essas ações imprevisíveis pelo Estado, Poder Soberano, conforme diz Giorgio Agamben, através da “urgência” também foram decretados Estados de Exceções diversos.

            Quando foram tomadas as ruas por manifestantes, saindo da ordem dos poderes estabelecidos e admitidos, é uma expressão de que também se tem que sujeitar e não ser apenas sujeitos, seguindo a lógica do Foucault, nas relações de poderes. Paralisar uma avenida, quebrar a vidraça de um banco, pichar a prefeitura é a vontade de ação para além da regra, da doutrina. Há uma “luta imediata”, conforme o Foucault: “Em tais lutas, criticam-se as instâncias de poder que lhes são mais próximas, aquelas que exercem sua ação sobre os indivíduos.” [5] Essas ações, conforme o Estado e grandes Mídias, pertenciam, maiormente, aos categorizados Black Blocs, ou sinônimo de “vândalos” e “desordeiros”

“[…] Esta forma de poder aplica-se à vida cotidiana imediata que categoriza o indivíduo, marca-o com sua própria individualidade, liga-o à sua própria identidade, impõe-lhe uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que reconhecer nele. É uma forma de poder que faz dos indivíduos sujeitos.”[6]

Manifestantes sem violência X manifestantes com violência: qual resultado dessa disputa?

            Um dos grandes focos da mídia conservadora nas manifestações foram momentos de confrontos entre os próprios manifestantes, tentavam sublinhar a forma de “desorganização e imaturidade” quanto às reivindicações e seus melhores meios para conquistá-las. A princípio encontra-se a diversidade de discursos, mas não é esse o foco e sim imagens dos taxados vândalos em suas ações e juntamente manifestantes com bandeiras do Brasil, gritando “Sem violência!”. Proporcionando ao telespectador ou leitor uma deslegitimação do ato. Porém, realmente existiam essas espécies de discursos nas manifestações decorrentes das diversas personalidades ali presentes. Todavia o que ocorreu, posteriormente, foram as mudanças de discursos, pois teve um agravante ou “um sol após a chuva”: os policiais não atiravam balas de borracha e gás lacrimogêneo apenas nos manifestantes “Com violência!” pois para os PMs, representantes do Estado, não havia essa distinção, para eles todos que ali estavam eram “desordeiros” e realmente eram, estavam quebrando uma Ordem.

 

Ordem e Progresso: A Ordem é o aumento da passagem? Então eu quero Regresso.

O que é a ordem? É o Estado sob o controle? Mas quem é o Estado? Não são os periféricos ou classe baixa, com certeza. Quem tem o poder? Realmente são os nossos governantes institucionalizados, mas representam quem? A elite. A elite anda de “busão”? Com certeza não. Temos um grande problema estrutural, um país em “desenvolvimento”, com uma das melhores economias do mundo, sendo 7º país mais rico, e a maior economia dos países da América Latina[7], mas os ricos ficando cada vez mais ricos, incluindo os proprietários das grandes cooperativas de transportes ditos “públicos” e os pobres tirando de onde não tem para pagar um transporte “público” cada vez mais caro.

Em 1994 o valor da tarifa de transporte “público” [8] era R$ 0,50, mas há quem diga “a inflação subiu”. Independentemente dos R$0,20, no caso de São Paulo, foi apenas um dos motivos que levou uma multidão às ruas, o ideal conforme o objetivo do MPL seria a isenção da tarifa para que fosse garantido o direito de ir e vir, o direito à cidade que é de todos. Mas não se pode atribuir a mobilização dos brasileiros, devido, somente, aos aumentos dos transportes, encontra-se presente a indignação com um governo que dito de frente popular não cumpre com suas funções.

 

“São trinta anos, sem ditadura e a repressão ainda continua!”[9]

O Brasil está preparado para ser um país democrático “um país de todos”, conforme a promessa do atual governo de frente “popular”? Uma ação imprevisível pela ordem é bem vinda? As manifestações provaram que não. Não poderia ter acontecido o que aconteceu, foram essas ações que mostraram qual a posição de cada governo: Municipal, Estadual e Federal. Governos denominados de “frentes populares”, quando explodiram as manifestações a primeira atitude que foi tomada, foi o comando para uma repressão policial. E em uma espécie de Estado de Exceção, a possível criação de uma lei que através de seu texto vago faz de um manifestante um terrorista. O projeto de lei foi proposto pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR) onde “fica definido como ato de terrorismo, provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade do cidadão”, com pena inafiançável de no mínimo 15 e no máximo 30 anos. Esse projeto ainda precisa ser aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado, porém é preocupante sua forma não muito específica da definição de terrorismo, e a atual discussão é se nessa lei cabe como terrorismo a manifestação de movimentos sociais. Será o fim da democracia no Brasil?

 

Black Bloc fenômeno novo “precisa ser identificado”. Mas, também, falta identificação naquele grupo de Policiais truculentos, que estão agredindo manifestantes e jornalistas

Indivíduos novos surgiram durante as Manifestações de Junho no Brasil, os Black Blocs, grupo de pessoas com ideologia anarquista que usa como tática o ataque direto aos símbolos dos capitalismo, como fachada de bancos, concessionárias, entre outros. Como diria Foucault, são “lutas imediatas”. Utilizam máscaras e vestimentas pretas para garantir o anonimato, durante as ações.

Resultou em grande preocupação para o Estado que preserva a ordem. Conforme a frase dita pelo Coronel PM Glauco Silva de Carvalho “Com quem eu vou dialogar?”[10] Fazendo referência a um grande problema da polícia militar durante as manifestações. Daí surgiu outra subjetividade, nova para aqueles que são brancos de classe média que nunca apanhou da polícia, surgiu a vilã PM que não mais representa, virou inimiga direta que agiu com grande truculência contra os manifestantes, a mando do Estado, os policiais em muitos momentos também ficaram sem suas identidades, pois suas ações não poderiam ter consequências que os prejudicassem, mas será mesmo que seriam prejudicados?

A Hannah Arendt diz o seguinte:

“A ação e o discurso são tão intimamente relacionados porque o ato primordial e especificamente humano deve conter, ao mesmo tempo, resposta à pergunta que se faz a todo recém-chegado: ‘Quem és?’ Essa revelação de quem alguém é está implícita tanto em suas palavras quanto em seus feitos; […] De qualquer modo, desacompanhada do discurso, a ação perderia não só seu caráter revelador, como, e pelo mesmo motivo, o seu sujeito, por assim dizer: em lugar de homens que agem teríamos robôs executores a realizar coisas que permaneceriam humanamente incompreensíveis. A ação muda deixaria de ser ação, pois não haveria mais um ator; e o ator, realizador de feitos, só é possível se for, ao mesmo tempo, o pronunciador de palavras.[…] Assim, é também verdade que a capacidade humana de agir, especificamente a de agir em concerto, é extremamente útil para fins de autodefesa ou de satisfação de interesses; mas, se aqui estivesse em questão apenas o uso da ação como meio para um fim, é evidente que o mesmo fim poderia ser alcançado muito mais facilmente com a violência muda, de tal modo que a ação parece uma substituta um pouco eficaz da violência, da mesma forma que o discurso, do ponto de vista da mera utilidade, parece um substituto inadequado da linguagem de signos”[11]

Nas manifestações ocorreram graves problemas, as manipulações dos discursos por parte da grande mídia, faziam com que as ações dos Black Blocs fossem isentas de discurso, sendo assim apenas “violência muda”, mas sabe-se que possuem discursos, porém a mídia encobria, todavia a ação violenta dos policiais era maquiada e dentro de um discurso manipulado, o discurso de preservação da ordem e da segurança pública, as ações policiais eram justificadas e aplaudidas, e as manifestações eram criminalizadas.

“Você é a favor deste tipo de protesto?” Opa… Deu errado, “formularemos melhor a pergunta: Você é a favor deste tipo de manifestação com baderna?”[12]

Um grande papel da mídia, logo no início das manifestações, foi a tentativa de criminalização das manifestações. A mídia sensacionalista tentava desempenhar esse papel, apoiando a polícia e tentando criar desaprovações, por parte dos telespectadores, aos manifestantes. Mas não obtiveram sucessos. Em uma pesquisa feita pelo programa Brasil Urgente, seu apresentador José Luiz Datena faz a seguinte pergunta: “Você é a favor deste tipo de protesto?”[13]. A resposta, surpreendente, por parte da maioria de seus telespectadores, foi “sim”. Após a mostra dos resultados o apresentador começa seu discurso apresentado sua opinião, que por hábito, torna-se também a opinião de seus telespectadores, mas o hábito deu lugar à indignação, e o apoio aos manifestantes, por parte dos telespectadores, continuou mesmo após a tentativa de influência.

A rede Globo, por sua vez, foi um pouco mais sagaz, percebeu a proporção que o movimento estava adquirindo, a quantidade de pessoas e cidades aderindo à causa, percebeu que tinha uma carta na manga, como está acostumada a fazer tentou interferir na política, montando um discurso de que os manifestantes estavam nas ruas por um possível “golpe” à presidenta Dilma Russeff, governo denominado de “frente popular”. E o que antes eram vândalos nas ruas, seu discurso mudou para cidadãos que querem seus direitos e quase chamando a população para ir às ruas para o possível “impeachment” da presidenta Dilma.

 

O Resultado

O que ocorreu nas Manifestações de Junho, não prosseguiu de forma contínua nos meses sequentes, após a revogação do aumento, mesmo que a população tinha e continua tendo motivos em excesso para protestar. Isso ocorreu devido aos discursos das manifestações terem sidos moldados pelas grandes mídias. A pluralidade humana, expressa nas manifestações pelas ações e pelos discursos, teve seus dois elementos, manipulados e consequentemente as subjetividades foram estereotipadas. Os sujeitos foram categorizados de vândalos, descaracterizando suas ações políticas, que foram imprevisíveis resultando em estados de exceções.

 

“Verás que um filho teu não foge à luta.”[14]

Mas isso não foi o suficiente, a ação da mídia não foi tão eficiente, a existência da principal luta, contra a sujeição, conforme a análise do Foucault, continua presente. Os cidadãos acostumados com a categorização do brasileiro não estar politizado, não ser consciente dos assuntos do Estado, e ter esse “jeitinho brasileiro de ser”: pacífico. Ocuparam as ruas do Brasil de forma numerosa, mostrando como estão indignados com a democracia do país. A violência que era coisa de bandido, passou a ser de branco e preto, de classe média e classe baixa, morador central e de periferia saíram do seu posto, do seu lugar, da sua categorização de “seres não prejudiciais” para interferir ativamente na vida dos demais. Esses estavam juntos, cantavam juntos, apanhavam juntos, juntos contra um Estado que não os representa.

As balas de borracha, o gás lacrimogêneo, os cassetetes não desanimaram, apenas deu um tempo para o Estado respirar. O grito agora é: “Não Vai ter Copa”. O país que tem dinheiro para investir R$33 bilhões em um evento esportivo, não tem recursos para o investimento em educação, transporte, saúde e moradia? O povo pacífico brasileiro, os “quase índios” tem que mostrar “seus arcos e flechas” para seus representantes e para o mundo, e se cabe à lei de terrorismo a dessocialização dos “semi-índios” que estarão nas ruas, será melhor ao invés de construir estádios, construir presídios, pois o número vai ser grande. Segundo a Hannah Arendt quanto mais risco ou imprevisibilidade, maior possibilidade de mudanças. E o povo descobriu que tem poder se unindo e indo “Às Ruas!”.


[1] Caso da cidade de São Paulo.

[2]Dados do Jornal Correio Braziliense: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2013/06/21/interna_brasil,372809/quase-2-milhoes-de-brasileiros-participaram-de-manifestacoes-em-438-cidades.shtml. Acesso 28 jan. 2014.

[3] Arendt, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013. Pág. 222

[4] Arendt, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013. Pág. 250.

[5] Foucault, Michel. O Sujeito e o Poder. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. Pág. 234

[6] Foucault, Michel. O Sujeito e o Poder. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. Pág. 235

[7] http://www.terra.com.br/economia/infograficos/pib-mundial/ Acesso 29 jan. 2014

[8] Informações SPTrans http://www.sptrans.com.br/a_sptrans/tarifas.aspx . Acesso 29 jan 2014.

[9] Grito de manifestantes durante as manifestações de junho no Brasil, em referência a ação repressora de policiais que usavam da ação violenta para conter as manifestações.

[10] http://www.policiamilitar.sp.gov.br/inicial.asp?OPCAO_MENU=VIDEOS_VIDEOS&txtHidden=536&flagHidden=D  Acesso 28 jan. 2014

[11] Arendt, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013. Pág. 223 e 224

[12] Edição 13 de Junho do Programa Brasil Urgente, apresentador José Luiz Datena http://www.youtube.com/watch?v=eoPzlvxzTtM Acesso 29 jan 2014

[13] Idem

[14] Trecho do hino nacional brasileiro, que se tornou quase slogan para as Jornadas de Junho, por meio de cartazes de manifestantes com a frase. Na internet, por meio das redes sociais, foi utilizado como tema para discussões a respeito das manifestações.

Texto da Karinna Silva de Moura Cezário, graduanda em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo – Campus Guarulhos.

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fev 10 2014

Roda de conversa: “MOVIMENTOS AUTONOMISTAS E MANIFESTAÇÕES DE JUNHO”

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com Pablo Ortellado (USP/Each) – autor dos livros “20 centavos: a luta contra o aumento” e “Estamos vencendo: resistência global no planeta”. Ativista de movimentos autonomistas e antiglobalização.

DIA 13 DE FEVEREIRO
18 HORAS
Sala 420, campus Guarulhos da Unifesp
Organização: FiloPol (Núcleo de Filosofia e Política)

Segue abaixo entrevista com Pablo Ortellado publicada em vice.com

Depois do dia 6 de junho deste ano, São Paulo nunca mais foi a mesma, com todo o clichê infeliz que esta frase nos permite. Nem o Brasil. As manifestações organizadas pelo Movimento Passe Livre contra o aumento da tarifa de transporte coletivo na cidade sacolejaram todo o território nacional, fazendo direita e esquerda se encontrarem nas ruas, num virginal macaréu político-ideológico.
Para falar sobre a atuação política do MPL, bati um papo com Pablo Ortellado, que lança no próximo fim de semana o livro 20 Centavos: a Luta Contra o Aumento, de autoria dele e em conjunto com Elena Judensnaider, Luciana Lima e Marcelo Pomar, pela Editora Veneta. A trajetória militante do autor começa nos anos 1980, quando o movimento punk se politiza e encontra a tradição anarquista no Brasil. Depois de passar pelo anarcosindicalismo e militar pelo movimento Antiglobalização durante os anos 1990, ele se gradua em filosofia, obtém o título de Doutor e hoje atua como professor de Gestão de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo. “O livro é a tentativa de fazer uma leitura do que aconteceu em junho, principalmente na chave do MPL, mas ressaltando as dimensões propriamente estratégicas e políticas do movimento”, adiantou. Antes de entrevistá-lo, colei num debate que rolou numa sala de aula da USP, onde ele falava sobre o livro na presença de estudantes, professores e militantes do MPL. A seguir você lê nosso papo sobre o livro e sobre o êxito do movimento na redução da tarifa.VICE: Participei de um debate na USP em que você falava sobre o livro. Lá, você disse que os novos movimentos não têm capacidade de pensamento estratégico. Por quê?
Pablo Ortellado: 
Movimentos desse tipo, como foi o movimento Antiglobalização, o 15-M na Espanha, o Occupy Wall Street, têm muita dificuldade de fazer uma ação estratégica. Como dizemos no livro, eles mobilizam mais processos do que resultados. Ou seja, eles valorizam muito mais o processo de constituição da luta, que seja democrático, horizontalista — e também que ele seja criativo e interessante —, do que a capacidade de transformação que ele tem a curto prazo. É como se o movimento fosse a gênese da nova sociedade. Por isso, ele precisa ser muito cuidadoso na maneira como conduz o processo, na maneira como zela por sua democracia interna. Outro elemento que ajuda a entender isso é que essa nova democracia traz para o jogo político pessoas que não têm experiência política. Com os envolvimentos de massa antigos, você tinha lideranças que conduziam. As opções estratégicas e as decisões eram tomadas por dirigentes que tinham pleno entendimento do funcionamento da política. Como esses movimentos são muito mais democráticos, no sentido de que eles efetivamente tomam as decisões importantes conjuntamente, isso faz com que pessoas que não têm experiência política participem da política e tentem aplicar restrições características da vida pessoal, que é o principismo: a ideia de que devo reger minhas ações por princípios. Ao que passo que, na política, quando você busca resultados práticos de curto prazo você mede suas ações não por princípio, mas por resultado.O livro analisa a capacidade de estratégia do MPL em 2013 como uma campanha intensa e de menor duração. Você acha que ter os R$ 0,20 como meta, em vez de tarifa zero, tornou o objetivo do MPL mais exequível?
Exatamente. Essa é a grande inovação. O MPL, hoje, é contra a mercantilização do transporte, que é o acesso ao deslocamento urbano por meio do pagamento de tarifa. Mas ele não colocou essa meta de longo prazo como resultado da ação — que tem resultado de curto prazo, a redução da tarifa. E essa estratégia mudou completamente a maneira como o movimento se colocava porque ela fazia com que toda a força da sociedade se direcionasse para uma meta: a revogação do aumento.O livro acompanha de maneira conclusiva o posicionamento da imprensa. Por que você acha que nos primeiros atos tudo era visto de forma negativa pela mídia, inclusive com editoriais pedindo maior rigor policial contra as depredações?
Na verdade, no começo da campanha a imprensa seguiu o padrão clássico de condenar manifestações populares que fazem uso da ação direta e da desobediência civil. Não foi nenhuma novidade. O que teve de muito novo foi a mudança depois da repressão do dia 13 de junho. O que a gente defende no livro é que houve dois processos ali. Fazendo uma análise mais detida das redes sociais, tanto do Twitter quanto no Facebook, a gente vê que nos dias 12 e 13, antes da repressão, outras pautas já tinham se grudado na reivindicação pela redução da tarifa — principalmente as pautas relativas ao combate à corrupção. Esses movimentos que estavam atuando pela internet já tinham se espelhado na luta contra o aumento e falado: “Olha, o brasileiro luta, ele não é trouxa, ele vai pra rua”. Foi um fenômeno mais ou menos espontâneo. Essas outras pautas que ampliaram o foco, na verdade, fizeram o movimento perder o caráter estratégico de novidade. A grande novidade não é ter essa dimensão estratégica, é ser um evento de novo tipo, horizontal, participativo e ter essa dimensão estratégica. Isso quase se perdeu.Outro tópico do livro é abordar o apoio da juventude do PT na luta contra o aumento da tarifa. Foi um ponto relevante para estabelecer diálogo com a prefeitura?
Foi importante porque a pressão interna dentro do PT contribuiu bastante para a decisão da revogação do aumento. E a juventude do PT foi o primeiro setor do partido a apoiar a causa. Pelo que acompanhei, foi muito difícil, porque eles divulgaram a nota em um dia, e no seguinte, a sede do PT foi apedrejada. Eles sofreram muita pressão, mas abriram uma brecha. Pouco a pouco, nos dias 11, 12 e 13, outros setores foram somando. Até que, finalmente, depois da repressão do dia 13, aí até o Zé Dirceu apoia — a gente documenta isso no livro. E vários outros deputados e lideranças do PT começam, pouco a pouco, a mudar de posição em relação aos protestos. Isso foi muito importante para legitimar a decisão de revogação do aumento, que sai só no dia 19.Durante o debate na USP, você disse que a luta criativa é uma característica da contracultura. Você acha que o MPL se encaixa nisso?
O MPL vem um pouco disso, mas acho que é uma característica que eles têm menos do que o movimento Antiglobalização, de onde vêm os militantes. Mas ele mantém um pouco a reflexão estética sobre a luta, a ideia de todas as faixas serem pretas, a organização da dinâmica da rua como uma espécie de teatro de rua. Em outras campanhas isso foi mais presente: a ideia de você ter uma paródia da tropa de choque, de você ter o exército de palhaços. Em outros MPLs, você tinha essa dimensão de teatro de rua também, como o MPL de Florianópolis. Acho que ele tem o cuidado e uma preocupação com essa dimensão estética e criativa do movimento, que é mais presente do que em movimentos tradicionais, embora eu ache que essa dimensão tenha dado uma diminuída com o passar dos anos na história do MPL.A queima da catraca em todos os atos é um grande símbolo, não é?
Um grande símbolo. A queima das catracas, a ideia de você abrir as faixas em lugares estratégicos, preparando a composição visual do movimento…Como você analisa a horizontalidade do MPL? Isso valoriza a democracia interna do movimento?
Ele é um movimento bem horizontal. As decisões são tomadas em assembleias e as discussões do MPL são enormes. As reuniões deles costumam durar oito horas. Todas as decisões são tomadas coletivamente. É um movimento bastante horizontal, bastante participativo.Depois do ato do dia 13, na Consolaçãouma multidão foi às ruas se juntar ao protesto. As pessoas tinham muitas pautas, como saúde, educação, PEC 37, corrupção. Você acha que isso tirou o foco da luta sobre os 20 centavos?
Eu acho que ela quase tirou. Foi uma tensão que vivemos nos dias que se seguiram, do dia 16 até o dia 19. Rolou uma pressão. Por causa dessa ampla exposição nos meios de comunicação, isso lançou nas ruas uma multidão com um conjunto de reivindicações que desfocava tudo o que essa luta tinha trazido. Essa dimensão estratégica foi confrontada por um conjunto de pautas que não tinha meta nenhuma. Era simplesmente uma insatisfação genérica puramente autoexpressiva. No entanto, o MPL soube conduzir, acolher essas pessoas que estavam indo às manifestações e subordinar todas essas novas reivindicações à primeira demanda, que era a dos R$ 0,20. Por isso, acho eu, o MPL conseguiu efetivamente: a tarifa foi reduzida. Mas várias pessoas que entraram na luta com essas outras reivindicações se sentiram traídas, falando que o MPL abandonou a luta. Acho que isso tem a ver com essa expectativa que eles tinham de que essas outras demandas fossem incorporadas pelo MPL. Que é uma coisa que acho que não tinha nenhum cabimento.No debate, você fez uma comparação entre Occupy Wall Stret e MPL, dizendo que ganhamos meio bilhão por ano e eles não atingiram um objetivo concreto. A que se deve essa análise?
Eles tiveram ganhos. O que defendemos no livro é que essa dimensão processual é importante. Organizar milhares de pessoas, ensiná-las a se organizarem de maneira direta, criar novas relações sociais participativas é um ganho. A questão é que esse ganho, em geral, tem como contrapartida a perda, uma certa incapacidade de ganhos de curtos prazo, que é o que aconteceu com o Occupy Wall Street — um movimento que nasceu quando a revista Adbusters lança uma provocação e convoca ativistas a ocupar a Wall Street com uma única demanda. E as pessoas vão lá, cria-se um movimento com enorme repercussão que se nega a ter uma única demanda. Eles se negam a ter uma pauta única, que daria a eles uma pauta estratégica. A grande novidade do MPL é que ele consegue ser um movimento que, ao mesmo tempo em que valoriza o processo, consegue ter uma dimensão estratégica.Analistas mais conservadores acham que o vigor do movimento se perdeu, enquanto analistas mais liberais acham que ainda estamos em um momento de latência. O que você acha?
Olha, o que acho curioso é que as coisas mais interessantes que aconteceram depois de junho não aparecem nos meios de comunicação, que estão seguindo uma pauta jornalística de cobrir pequenas manifestações, qualquer pequena passeata que surja. No entanto, quando a gente olha, principalmente para Belo Horizonte, com a Assembleia Popular, e para Fortaleza, na luta pela preservação de um parque, vemos os processos realmente acontecendo. Centenas, milhares de pessoas. Mas como elas não têm essa forma da manifestação de rua, e não estão em grandes centros como Rio e São Paulo, ficam meio invisíveis. Mas são os processos mais vivos hoje no país, herdeiros das mobilizações de junho.Você acha que depois da revogação, a população se sente mais empoderada para atuar em novas lutas?
Acho que sim. Desde os anos 1980, não tem uma mobilização popular que consiga um ganho tão efetivo, tão claro, tão completo. Todo dia, quem pega ônibus, metrô ou trem, passa o cartão e vê o resultado da luta. Isso vai ter efeitos de longo prazo. Não imagino nenhum governante aumentando essa tarifa nos próximos dois anos. Até esse aprendizado começar a ficar longínquo na memória, acho que ninguém vai ser tolo de aumentar a tarifa.

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jan 22 2014

Um ano de rolezinhos e lutas

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Por 
Edson Teles.

O ano de 2014 inicia-se sob a promessa de ser pleno de lutas e profunda movimentação política. Com a herança das manifestações de junho de 2013, a expectativa da realização da Copa do Mundo no “país do futebol” e das eleições para Presidência, governos dos estados e Congresso Nacional convidam o Brasil e a sua jovem democracia a experimentarem um ano dos mais políticos, se tomarmos esta palavra como sinônimo de relações conflituosas e dinâmicas em torno das questões que tocam em nossas vidas cotidianas.

Nem mesmo terminamos o primeiro mês do ano e o “rolezinho” toma as principais manchetes da mídia tradicional, das redes sociais e dos espaços alternativos de debates públicos. Realizado há vários anos como modo de encontro e lazer pelos jovens da periferia, o “rolezinho” ganhou uma conotação política ao ser inserido entre as questões que giram em torno da contestação e da ocupação dos espaços urbanos. Como uma espécie de sequência das manifestações do ano passado, este tipo de movimentação alimenta os debates sobre o modo como os governos democráticos vão lidar com as imprevisibilidades de ações que funcionam como momentos criativos e de experimentação de práticas livres, em meio a uma sociedade dedicada ao controle e à disciplinarização dos corpos.

É fato que os “rolezinhos” em shoppings estão muito mais ligados, no imaginário de seus participantes, a uma demanda por inserção em um mundo de consumo e de realização de desejos distantes dos moradores das periferias das grandes cidades. Diferente das manifestações de junho passado, não há uma pauta de reivindicações e nem mesmo a escolha de um inimigo imediato a ser alvejado para a conquista de suas demandas. A galera quer apenas habitar um espaço de lazer, com ar fresco em pleno verão escaldante e encontrar gente legal, bonita e disposta a se conhecer.

Contudo, uma democracia com um forte legado autoritário, em especial aquele vindo da recente ditadura militar, tende a ver a reunião de pessoas pobres, da periferia, que não têm a posse da propriedade, como algo perigoso e sem sentido. Quando pessoas de direita bradam “deixem os clientes dos shoppings em paz”, nada mais expressam que a postura conservadora de parte da sociedade brasileira que se encontra feliz e realizada com a atual condição social e política do mundo. Interessa a estes manter ou aumentar suas posses, e sua reação é o apoio à imediata repressão, novamente da polícia militar, contra os jovens dos “rolezinhos”. Cena bizarra nas entradas de shoppings: bala de borracha, bomba de gás, cassetete, revista e decisão sobre quem é “vândalo” e quem é o verdadeiro consumidor.

A lógica da governabilidade, a razão política dos governos democráticos, não pode e não tem como lidar e controlar a ação política em sua plenitude e contingência. A imprevisibilidade e a criatividade destas ações seguem as manifestações de junho ao contestar o lugar que devemos ocupar e o modo de sermos. Os governos sabem, e com grande desenvoltura, lidar com os acordos palacianos, com a distribuição de cargos e as decisões tomadas sob a escuta das previsíveis elites e oligarquias políticas. Mas, com as ruas e os modos cada vez mais inusitados como são ocupadas, a racionalidade de governo tem sérias dificuldades.

O ano de 2014 nasce como momento oportuno para os governantes aprenderem com o povo outra visão das relações sociais e políticas.

Não são de direita, não são representantes de forças ocultas, não são fantasmas, não são contra os direitos sociais e seus programas de inclusão, não são contra este ou aquele candidato, ou um ou outro partido. Os jovens dos “rolezinhos”, os manifestantes de junho, os militantes do movimento “Não vai ter Copa” são lutadores contra o modo como tradicionalmente o país dispõe de nossas terras, ruas, espaços públicos, riquezas e instituições.

Fonte:http://blogdaboitempo.com.br/2014/01/22/um-ano-de-rolezinhos-e-lutas/

 

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