nov 25 2013

Encarceramento e Extermínio

Published by at 11:38 under roda de conversa

de Marcelo Naves,  aluno do curso de Filosofia da Unifesp
Roda de Conversa:
“Encarceramento em massa da juventude pobre e negra da periferia”, realizado no dia 05 de novembro, na Unifesp Guarulhos.

No dia 12 de novembro o Núcleo de Filosofia e Política da Unifesp – Guarulhos promoveu a Roda de Conversa “Encarceramento em Massa e Extermínio da Juventude Negra e Periférica”. O debate contou com a participação de cerca de 90 pessoas e teve as presenças de Rodolfo Valente e Danilo Dara, respectivamente da Rede 2 de Outubro e do Movimento Mães de Maio. Foram suscitas inúmeras questões de conjuntura e de atuação política. Sem a pretensão de fazer um relato exaustivo da Roda, elencamos, abaixo, alguns pontos que foram levantados e debatidos.

            Com relação ao encarceramento em massa, destacou-se o vertiginoso aumento de prisões nos últimos 21 anos (desde o massacre do Carandirú, em 2 de outubro de 1992), com destaque para o Estado de São Paulo, que atinge, atualmente, um número superior a 200 mil encarcerados/as (o Brasil tem a 4ª maior população carcerária do mundo. Segundo o InfoPen, há cerca de 550 mil presos/as no país). A política de encarceramento em massa, segundo as reflexões desenvolvidas no debate, constitui um dos instrumentos de controle e contensão dos pobres, em sua grande maioria negros, jovens e moradores das periferias[1]. Um grande número dessas pessoas que se encontram privadas de liberdade ficam meses e até anos em situação de prisão provisória, sem audiência nem julgamento. Constata-se, também, grande quantidade de pessoas presas por pequenos delitos e sem o benefício da progressão da pena. Isso revela o perfil da atuação do sistema judiciário e das decisões judicias. Dentre os/as presos/as, a imensa maioria esteve envolvida com delitos relacionados ao patrimônio e à entorpecentes[2].

De acordo com Rodolfo Valente, é necessário promover a “abertura do cárcere para a sociedade”, revelando todas as violências e condições de vida (!!!) dos/as detentos/as e possibilitando o contato da população prisional com a sua comunidade. Ao mesmo tempo, segundo ele, nenhuma vaga a mais deve ser criada no sistema prisional. Ao contrário, é preciso uma política contundente de desencarceramento e a construção de uma novo paradigma de sociedade, marcadamente não punitivo, não vingativo, não penal e sem cárceres e relações de opressão.

            Com relação aos homicídios, o Brasil vem registrando números exorbitantes, girando em torno de 48, 49 mil assassinatos por ano na última década (em 2012 foram 50.108 assassinatos, segundo o Anuário Estatístico do Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Danilo Dara ressaltou, porém, que muitos casos de homicídios não entram nos dados oficiais de assassinatos, assim como os inúmeros casos de desaparecidos/as. Com isso, a quantidade de pessoas que perdem a vida no país, em decorrência de assassinatos, é consideravelmente maior do que os números oficiais. Durante o debate, destacou-se que a maior parte dessas mortes atinge jovens, em sua maioria negros, pobres e moradores da periferia, como ocorre no sistema carcerário. A participação do Estado nessas mortes, através da Polícia Militar, foi amplamente destacada, corroborada pelo recente assassinato do jovem Douglas Rodrigues, de 17 anos, morto em uma abordagem policial, no dia 27 de outubro, na Zona Norte de São Paulo.

Danilo Dara destacou a importância do debate sobre a desmilitarização da polícia, que é, inclusive, recomendação de comissões de direitos humanos de organismos internacionais ao governo brasileiro (documento do Conselho de Direitos Humanos da ONU).

            Tanto para Rodolfo Valente como para Danilo Dara, a ação política em vista da resistência à violência do Estado e da superação de uma sociedade violenta e punitiva passa necessariamente, entre outras coisas, pela articulação, mobilização e protagonismo autônomo das periferias, especialmente dos familiares e amigos/as de pessoas exterminadas e massacradas, dos/as egressos/as do sistema penal igualmente massacrados e estigmatizados.


[1] “A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um ‘mais Estado’ policial e penitenciário o ‘menos Estado’ econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países (…). Isso é dizer que a alternativa entre o tratamento social da miséria e de seus correlatos (…) e seu tratamento penal (…) coloca-se em termos particularmente cruciais nos países recentemente industrializados da América do Sul (…).

(…) desenvolver o Estado penal para responder às desordens suscitadas pela desregulamentação da economia, pela dessocialização do trabalho assalariado e pela pauperização relativa e absoluta de amplos contingentes do proletariado urbano, aumentando os meios, a amplitude e a intensidade da intervenção do aparelho policial e judiciário, equivale a (r)estabelecer uma verdadeira ditadura sobre os pobres”. (WACQUANT, Loïc, As prisões da miséria, 2ª edição, Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 9, 10 e 12.)

[2] Segundo Foucault: “Com as novas formas de acumulação de capital, de relações de produção e de estatuto jurídico da propriedade, todas as práticas populares que se classificavam , seja numa forma silenciosa, cotidiana, tolerada, seja numa forma violenta, na ilegalidade dos direitos, são desviadas à força para a ilegalidade dos bens. (…) A ilegalidade dos bens foi separada da ilegalidade dos direitos. (…) E essa grande redistribuição das ilegalidades se traduzirá até por uma especialização dos circuitos judiciários; para as ilegalidades de bens – para o roubo – os tribunais ordinários e os castigos; para as ilegalidades de direitos – fraudes, evasões fiscais, acomodações, multas atenuadas, etc. A burguesia se reservou o campo da ilegalidade dos direitos. (…) Um sistema penal deve ser concebido como um instrumento para gerir diferencialmente as ilegalidades, não para suprimi-las a todas.” (“Vigiar e Punir”, trad. Raquel Ramalhete, 28ª edição, editora Vozes. Petrópolis: 2004, p. 73, 74 e 75)

 

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